Circo

Pensei em um dia levar meu filho ao circo, assim como meus pais fizeram comigo na minha infância querida.
Fechei os olhos e me imaginei chegando lá com a satisfação de um pai que mostra uma grande novidade ao filho, e ele com a curiosidade habitual de qualquer criança.
Ao chegar, percebi de imediato a ausência do moço vendendo cachorro-quente na fila. Logo fui informado de que ele foi proibido e a trupe multada pela saúde publica devido à carrocinha de venda enferrujada e, em especial, pelo estado do katchup.
Aproveitei para perguntar ao rapaz (que rapaz?)se existia a possibilidade de tirar fotos com o domador depois da apresentação: sempre o admirei pela coragem.
Ele me respondeu que o domador tinha perdido o emprego devido aos maus tratos e que, por esse motivo, eles não apresentavam mais nenhum número com animais.
Assuntado, perguntei: “E o mágico, como fará sem os pombos e os coelhos?”
“Senhor, perguntei o mesmo ao patrão e ele disse que de mágico aqui bastava ele”, respondeu com tristeza. Completou repetindo as palavras do patrão: “mágico sou eu, o dono do circo, que diante de toda dificuldade de se viver de arte no Brasil, ainda insisto e resisto dentro das minhas fantasias, mesmo com todas as barreiras impostas pela tecnologia burra do dia a dia.”
Antes que eu perguntasse, percebi fotos da festa de despedida do trapezista como forma de propaganda do circo. Ele era tão bom que acabou indo fazer parte de um grupo famoso no exterior.
“O que é de fora é mais valorizado”, disse-me o rapaz como se estivesse lendo meus pensamentos.
Explicou-me também que o homem que cospia fogo deixou de se apresentar, pois devido à falta de artistas, ele mesmo fazia o número da motocicleta e com medo de ser pego pela lei seca, precisou abandonar o número e passou a trabalhar como voluntário para o AA, já que o número da motocicleta no círculo de fogo tivera sido embargado pela defesa civil. “Trabalhos voluntários dão mais dinheiro”, declarou com ar de deboche.
Conformado com tudo, perguntei por aqueles que me encantaram todas as vezes que fui ao picadeiro, tinha certeza de que esses não abandonariam nunca. Os palhaços.
Respondeu-me o atencioso rapaz: “...esses são mais fáceis de o senhor encontrar, mas não aqui. Todos eles foram para Brasília já faz algum tempo, estão todos atuando por lá, ocupadíssimos, reconhecidos, e muito bem remunerados!
Vendo que tudo se transformou em coisas sérias demais, achei melhor voltar pra casa, pedir um pizza e assistir a algum desenho japonês. Naquela noite, o episódio fez todo sentido, e eu finalmente entendi a razão de tanto sucesso.
Quanto aos palhaços, eu tinha certeza que os conhecia de algum lugar...
...que falta fazem os narizes vermelhos!

Sandro Braga.

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