Voltemos à "vaca fria"

Nunca entendi muito bem a expressão, mas quando vovô Armando dizia isso eu já sabia que era pra esquecer a brincadeira e voltar ao que interessava de verdade. Pois bem, os Jogos Olímpicos acabaram e é hora de embarcar de volta a nossa triste realidade. Triste, e cá entre nós, triste o bastante pra ofuscar qualquer triunfo conquistado pelos nossos heróis em Pequim.

Ouvi muito da minha mãe na infância: “depois de brincar, arrume tudo!”. A verdade é que arrumar tudo depois de brincar era quase que um castigo pra mim. Confesso, que por muitas vezes prolonguei a brincadeira, mesmo já estando sem vontade nenhuma mais de brincar, só pra empurrar a hora da arrumação. Parece-me que para muitos até hoje é assim. Prolongar os festejos olímpicos nos faz esquecer a bagunça que temos que resolver, ainda mais em ano de eleição que curiosamente teima em cair sempre em anos de grandes acontecimentos esportivos. Estranho isso!

A idéia que fica, é que não há nada melhor do que um grande acontecimento esportivo para “resetar” esse país, pois enquanto não chega a hora da brincar novamente, a gente vai esquecendo os escândalos e conhecendo outros novos escândalos ainda maiores. Assim, vamos caminhando, esperando alguns ouros, pratas e bronzes para começarmos do zero novamente. O problema maior, por incrível que pareça, não é “resetar”, começar do zero, porque mesmo que pudéssemos “reconfigurar” tudo, ainda assim nos faltaria alguém para clicar no “Iniciar”.

Não sei se consegui ser muito claro, mas também “voltar à vaca fria” não o era no inicio. Só que olhando bem, hoje me faz o maior sentido.


Sandro Braga.

Game Over

“Aperta o pause aí!”

Lembro-me muito bem, como se fosse hoje: eu aguardando devidamente uniformizado meu pai chegar do trabalho para jogar bola comigo.
Pra mim, aquele era um momento mágico, em que eu podia brincar de ser um ídolo, experimentar os dribles e jogadas que tinha ensaiado durante o dia. Jogar com meu pai, naquele momento, era o maior clássico da minha vida.
Jogávamos até não conseguirmos mais caminhar. Na verdade, ele sempre desistia. Não pelo meu preparo físico extraordinário, ou pela minha hiperatividade diagnosticada anos depois; era muito mais pelo cansaço de um dia estafante de trabalho. Mas eu vencia.

Hoje essa espera já não existe mais. As crianças não precisam imaginar seus ídolos. Eles estão ali, na sua frente, bem na TV, sob seu total comando. Estou falando de videogame, esse fantasma que segundo estudos recentes, faz o cérebro enviar estímulos de atividade física e em seguida de cansaço. Porém, esses estímulos se perdem entre um e outro aperto no botão.

Parece-me óbvio que uma criança habituada a comandar seus ídolos, vencer ícones do esporte, ser campeão mundial sem sair do sofá, não terá motivação alguma para jogar com seus pais. Ainda mais quando essa criança ou adolescente se experimenta em atividades reais e se frustra encontrando dificuldades de realizar o que para ele parece tão fácil nos jogos em sua TV. A partir dessa frustração, o corpo se torna um grande inimigo, pois todas as sortes de habilidades com as quais ele está acostumado nesses jogos são completamente incompatíveis, e na maioria das vezes impossíveis de serem realizadas de fato.

A tecnologia avança. Hoje, temos “games” que conseguiram unir o lado cognitivo com o motor, tirando o “atleta virtual” do sofá, aproveitando aquelas liberações de estímulos, fazendo-o se movimentar. Mesmo que tendo como espelho uma imagem irreal, enfim o lado sedentário já esta sendo resolvido.

Difícil, para mim impossível, vai ser substituir o lado afetivo, o toque, o carinho, a sensação de ter realizado algo verdadeiro, coisas que, por mais que a tecnologia evolua ou tente evoluir para esse lado virtual, serão sempre preteridas por mim em relação ao real.

E enquanto isso não chega... ”aperta o start aí!”
Sandro Braga.

Crônica Olímpica

Caros amigos, é bem verdade que os jogos olímpicos acendem a chama do esporte dentro de cada um de nós, ainda mais em pessoas como eu, praticantes, amantes e profissionais do esporte. Porém, essa chama de empolgação, de alegria e da manifestação esportiva nos traz muito mais do que apenas o espírito olímpico. Muito mais do que a esperança de paz, da união entre os povos. É preciso que deixemos um pouco esse lado quase que utópico de paz mundial associada ao esporte e olhemos mais para o nosso “próprio umbigo”.

Essa chama acende a luz do bom senso, ou pelo menos deveria ser assim, porém, em alguns casos essa chama é tão forte que faz cegar justamente aqueles que deveriam ser guiados por ela. Aproveitar essa empolgação, curtir os jogos, as vitórias, tudo isso é ótimo. Mas refletir certas injustiças, rever nossas prioridades e entender de uma vez por todas que aproveitar o momento olímpico para incentivar a prática esportiva acreditando e fazendo acreditar que tudo isso nos levará a um futuro próspero no que diz respeito à cultura, aspectos sociais e esportivos não funcionam, também seria ótimo.

Me parece que agindo assim, como vem agindo boa parte de nossa classe, aproveitando o momento para idealizar projetos olímpicos em centros sociais, é tentar “começar do fim”. Levar o esporte para comunidades carentes, ajudando jovens a saírem das ruas entre outras tarefas realizadas nesses projetos é um grande mérito para aqueles que obtêm sucesso, mas aproveitar o “delírio da novidade” nesses centros e relacionar com o mais alto nível de competitividade como são os jogos olímpicos é injusto, cruel e contrário a todas as expectativas sócio-políticas.

Começar do fim é isso, é a contramão, é iniciar um projeto tendo como referência o que grande parte dos ditos “beneficiados” desses projetos jamais alcançarão, e que por muitas vezes essa decepção traz mais uma frustração a esses chamados beneficiados.

Dessas iniciativas podemos considerar positivos aspectos como, ver novos ídolos, sonhar, “brincar de ser”, tudo isso é valido, desde que sejamos honestos com o próximo. Devemos incentivar a prática esportiva sim. Para a formação da criança, visando saúde, socialização, integração, educação, entre outros objetivos já conhecidos por nós, mas sem promessas infundadas de “atletas olímpicos do futuro” associando todas as sortes de benfeitorias com a maior das competições.

Por fim, é importante que deixemos de lado frases prontas e por muitas vezes cruéis, ilusórias, mentirosas como: “... daqui sairão futuros campeões” entre outras já famosas em discursos de inauguração de vilas olímpicas. Que possamos substituí-las por: “... daqui sairão futuros cidadãos” dessa forma, quem sabe um dia vamos poder enfim chamá-los verdadeiramente de beneficiados.

Sandro Braga.